Professores e alunos do curso de Pedagogia, da Universidade Estadual de Maringá (UEM) de Maringá e de Cianorte (Paraná) escolheram, em 2006, debater sobre a violência “na” e “da” escola.
Os especialista convidados foram os professores Roberto da Silva e Flavia Schilling (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), e Ana Maria Mercês (PUC –SP), fizeram conferências esclarecedoras sobre o assunto, provocando reflexões e debates para além do momento de suas exposições.
Como um dos organizadores, depois do sucesso dos dois eventos, o autor desse artigo continuou realizando leituras sobre o assunto, e até elaborou um projeto de extensão que trata da crise das relações no interior da escola sob o olhar do cinema. Acrescentou-me especialmente ler o cap. 7, do livro “Relação com o Saber: formação dos professores e globalização” (Ed. Artes Médicas, 2005), do sociólogo Bernard Charlot, que indica mais alguns pontos para completar a análise dos professores convidados:
1) Além da violência “na” e “da” escola, existe a violência “à” escola. Recapitulando. A violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da instituição escolar: por ex.: quando um bando entra na escola para acertar contas de disputas do narcotráfico. A violência da escola é a violência institucional, simbólica, reproduzida através de seus agentes (professores, serventes), dos modos de atribuição de notas, de distribuição das classes, dos castigos, dos atos de exclusão, etc.
Segundo Charlot (op.cit.), existe ainda a violência à escola, que está ligada aos atos contra a escola; são casos em que alunos provocam incêndios, ameaçam, insultam ou agridem os professores ou funcionários da escola. Parece-me que essa dimensão da violência escapou de ser debatida no nosso evento.
Por que se preocupar com tais distinções? Porque, essas distinções orientam os professores e pesquisadores para pensarem a relação efeito e causas da violência, e também leva-os pensar preventivamente sobre o que fazer com cada situação. “Devemos perguntar por que a escola, hoje, não está mais ao abrigo de violências que outrora eram detidas em suas portas”, e o que “legalmente” pode a escola fazer face a essas situações, alerta Charlot.
2) Ainda, o autor acha pertinente estabelecer uma distinção entre violência, indisciplina, e incivilidade. Os especialistas brasileiros já vinham alertando a necessidade de distinguir indisciplina da violência (cf.: referências). A essas duas categorias, os pesquisadores franceses acrescentam a “incivilidade”. Redefinindo. O termo violência[1], pensam os franceses, deve ser reservado ao que ataca a lei com uso da força ou que ameaça usá-la: lesões, extorsão, tráfico de drogas na escola, insultos graves”, bullying. A indisciplina pode ser considerada um ato “normal” de transgressão. Considera-se “normal” o adolescente expressar conduta contrária ao regulamento interno do estabelecimento, que não é ilegal do ponto de vista da lei. A incivilidade é aonde a educação ainda não se efetivou no aprendiz; não é indisciplina e nem violência, mas efeito da ignorância. Os sociólogos franceses entendem que a incivilidade não contradiz com a lei, nem com o regimento interno do estabelecimento, mas sim, com as regras da boa convivência: a falta de respeito, uso do palavrão, a não realização dos trabalhos escolares, absenteísmo, não cumprimentar, não pedir desculpas, brincadeiras de mal gosto, empurrões, ausência de bons modos em público, ataque cotidiano ao direito de cada um (professor, funcionários, alunos) ser respeitado, etc.
Da distinção para a prática
A professora escolar precisa levar em consideração a “normalidade” de algumas transgressões dos alunos, sobretudo, considerando o aumento número de pais negligentes e sem vocação para verdadeiramente educar os filhos. A escola contemporânea convive com o dilema: educar e/ou ensinar? Deve “ensinar as crianças como o mundo é” ou “instruí-las na arte de viver”? (ARENDT, 1972).
Os adolescentes estão sempre testando os limites (seus e dos outros); eles recusam seguir as regras que o sistema escolar e a sociedade impõem. Muitos deles foram apenas criados, mal criados, e não educados. Sua rebeldia, no fundo, é contra o sistema de imposições e de exclusão. Convenhamos, existem regras injustas nas escolas, e professores mal educados.
Cabe ao professor/ professora obviamente “bem educado” distinguir um ato de indisciplina da incivilidade, e da violência, para dar encaminhamentos diferenciados. Atos que configuram violência (ex: tráfico de drogas, depredação, caso de lesão corporal, etc.) escapam do domínio da direção da escola, porque são de domínio da polícia e da justiça. Inversamente, um xingamento dirigido para a professora deve ser examinado pela equipe pedagógica e não justifica que se chame a polícia ou se abra um processo na justiça. Quanto à incivilidade, ela depende fundamentalmente de uma intervenção educativa, dentro e fora da escola.
Nos dias atuais parece estar crescendo a incivilidade entre os alunos. Arrisco-me apontar algumas causas: o convívio tribal avesso à civilidade, códigos que reforçam grosserias e insensibilidade em relação ao próximo, atos de barbárie incentivados pelo grupo, etc.
A falta de civilidade da nova geração pode ser indício de que os pais falharam na educação, mas eles não devem ser os únicos responsáveis. É possível que os pais hoje não sejam tão importantes para educar os filhos, como sinaliza o estudo de Judith Harris (1998). A influência dos grupos de pares, a televisão, os games, a interação com alguns sites da internet, juntos, promovem a incivilidade como se fosse um bem. Ser um bad boy ou uma bad girl representa um mais-gozar. Sozinha, a escola não tem o poder de reverter o processo de barbarização dos jovens. Até porque o professor pouco consegue estabelecer um vínculo transferencial positivo com os alunos interessados. Alunos incivilizados e não reconhecidos nessa condição podem reagir inconscientemente com indisciplina e até violência. Portanto, é urgente preparar os professores para saber interpretar e lidar com a nova geração resistente a ser civilizada. Não se trata de inculcar em ambos os valores da classe dominante, mas sim, transmitir os valores universais da civilização: convivência, respeito, tolerância, simpatia...
Concluindo...
O professor Roberto da Silva, na sua conferência, argumentou sobre a necessidade de se fazer registros das ocorrências cotidianas, sobretudo daquelas que envolvem alunos e professores, alunos e patrimônio escolar (carteira, parede, quadro, aparelhos, etc.), visto que tal documento se constitui a memória do estabelecimento escolar. Ou seja, o histórico das ocorrências pode pesar nos argumentos e na tomada de decisões acertadas em situações que envolvam as distinções que registramos nesse escrito.
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